domingo, 18 de julho de 2010

Ensinar a ensinar X Aprender a aprender

Não tenho nada contra o ambiente acadêmico em si, mas não consigo admirar a forma como tem se transmitido o ensino nas áreas humanas e biológicas (e mais especificamente nas área ligadas ao estudo da mente). Se queremos preparar seres humanos precisamos mais do que professores que são obrigados a se preocupar com o conteúdo e sequer conhecem seus alunos. Queremos futuros profissionais repetindo textos ou pensando o homem e a sociedade?
Nosso sistema educacional tem privilegiado muito a massificação do ensino, há pouco espaço para a criação da crítica, da discordância, do debate. A proximidade e a intimidade entre professores e alunos é mínima. Eu disse intimidade? Sim, a intimidade é um fator imprescindível na educação verdadeira. Não há comunicação profunda sem intimidade, e sem comunicação profunda não há aprendizado. Nos habituamos a chamar de aprendizado algo que não merece este nome, nos acostumamos com pouco. Ambiente educacional é muito mais do que isso que temos experienciado.
Ao entrar na academia, um estudante traz a expectativa de sair dali “formado”, de ser educado na área de seu interesse. Ao longo do seu curso passará por dezenas de professores, esquecerá do nome de muitos destes e os professores, por sua vez, não terão condições de lembrar do nome de 10% destes alunos. Devemos lembrar que a formação de um profissional das áreas humanas ou biológicas, por excelência, exige o desenvolvimento de um ser humano de forma integral. Os cursos são catalisadores deste processo pessoal. Porém, sem relações verdadeiras de ensino e aprendizado, o que teremos? Alunos órfãos, aprendizados estéreis.
Já seria um grande passo se fôssemos capazes de reconhecer que o ambiente acadêmico não tem condições de construir um profissional, ele pode apenas contribuir no refinamento de um profissional (na melhor das hipóteses). Torná-lo alguém capaz de exercer ou não determinada profissão da área humana ou biológica está além do alcance da educação formal, pois seu sucesso (me refiro a sucesso real, sucesso em sua empreitada interior e não, necessariamente, reconhecimento) dependerá infinitamente mais da sua coragem de mergulhar em si mesmo e questionar seu mundo do que da sua habilidade de estudar vários livros. Sei que essa realidade não se limita ao meio acadêmico, mas considero que ele seja um bom exemplo para analisarmos esta questão. Mesmo o conhecimento psicológico do yoga, que tem sido muito pouco compreendido em nossa cultura (inclusive no próprio meio do yoga), tem sofrido, modernamente, de um mal parecido. E é, na verdade, por esse motivo que eu me proponho a analisar essa situação.
Mas, ainda assim, alguns alunos órfãos sobrevivem. Minguam, lutam e sobrevivem. E esses alunos, que têm real desejo de aprender e são leais a sua a ânsia de compreender mais e mais, têm chances de realizarem seu propósito. Esses alunos continuarão sempre sendo alunos, continuarão se reconhecendo como tal mesmo ao assumir um papel de educador/professor. Serão professores que exercem seu papel de forma consciente, que incitam reflexão, incitam dúvidas. Que esses sobreviventes revolucionem a educação, que cresçam em número, que tenham força, que dêem vida à educação. O mais nobre objetivo de um verdadeiro professor é acordar o aluno, nutrir o aluno, pois é dificílimo ser e saber manter-se aluno. Um professor, no pleno exercício de sua atividade, aprende a aprender, ensina a aprender, não aprende a ensinar e nem ensina a ensinar. Quem faz o professor é sua alma de aprendiz, a capacidade de ensinar é mero fruto do amadurecimento do pensar. Ensinar a ensinar é possível, mas alimenta o medíocre. Já ensinar a aprender dá lugar à manifestação da sabedoria. Um limita, outro liberta o ser humano.
Tenho pensado muito a respeito da palavra sânscrita “antevasin”, um conceito básico para a correta compreensão da educação em yoga. “Antevasin” significa “aquele que vai até o fim”. E onde é o fim? O fim é longe...é para onde aponta aquele que ensina. Essa palavra sânscrita traz a idéia de que, se eu pretendo aprender, devo me submeter verdadeiramente ao aprendizado. Parece óbvio, mas na prática não é. Submeter-se é uma palavra forte, às vezes traz medos. E não é à toa. É necessário cuidado para escolher ao que se submeter. Mas, como diz a canção de Bob Dylan que tem sua versão em português escrita por Vitor Ramil “Seja a Deus ou ao Diabo, um dia você vai servir alguém”. No contexto da educação precisamos repetidamente nos perguntar se servimos à busca da verdade. A verdade pode até, em certas situações, vir perfumada com alguma surpresa confortável, mas haverá situações em que ela virá acompanhada de surpresas desagradáveis ao primeiro olhar. Que neste momento não oremos por uma mentira.
É na experiência desagradável que o aluno se mostra, pois ele sustenta sua procura mesmo diante do desprazer. Seu objetivo é o amadurecimento, o aprendizado, não o fruto agradável ou desagradável. Sua alegria é seu crescimento, é se conhecer.
Que ninguém tenha êxito ao tentar nos ensinar a ensinar e que nós, seres humanos, encontremos em nosso caminho pessoas que nos ajudem a reconhecer que não há outro caminho senão aprender. Que continuemos, apenas, a aprender a aprender.
Agradeço, de coração, ao professor que me ajudou a amadurecer essa compreensão, que me mostrou isso vivo, TKV Desikachar. Sem ele eu não teria vislumbrado o sentido da palavra educação.

5 comentários:

CLAUDIA REGINA disse...

Namaste, Jorge!!

Concordo inteiramente com o conteúdo do seu texto, o ensino formal: deforma. E nisso se esvazia de conteúdo e função o espaço (instituído) da aprendizagem, do conhecimento. Problema sério !!! Como pessoa humana, como mulher e professora de profissão preocupo-me. Já fugi "da escola", no meu entender, "espaço de reprodução" do "modelo vigente", mais condicionado e condicionante que qquer outra instância social. Mas a vida é ação e retorno ao papel de professora, buscando construir aprendizagem - em mim e naquilo que professo, ensino - o aprender decorre de experiências vivas, relação com um outro, consigo mesmo e com o conhecimento... tudo vivo. Quer ser meu professor, Jorge ??

Jorge Luís Knak disse...

Cláudia, obrigado pelo comentário. Aí a gente faz assim: deforma o ensino formal. Fica 1X0 pra gente, :)
Considero o chamado "ensino formal" importante. O problema é tomá-lo pelo que ele não é. Considero que, se o olharmos como acessório, temos 50% da solução deste problema. Se o tomarmos como sendo o principal estamos numa fria. O principal está na reflexão, no relacionamento, no amadurecimento pessoal, não na sala de aula. Os outros 50% dependem de os educadores terem compreensão de qual o seu papel e de qual o papel do aluno. Não é tarefa fácil para ninguém, mas precisamos resgatar este pacto de amadurecimento entre ambos. A boa notícia é que isso está em nossas mãos.

ana poubel disse...

É interessante, pois parece que quem está dispoto realmente a aprender a aprender fica, de certa forma, protegido. Pois em algum momento percebe se a relação é estéril por causa de sua ânsia em avançar. Essa percepção procede?

Jorge Luís Knak disse...

Se eu entendi bem teu ponto, concordo. A questão que trouxeste é importante. Focar em "aprender a ensinar" facilmente irá gerar uma percepção frágil, não-experiencial. Já se estivermos mais conectados com a nossa experiência pessoal, com a nossa digestão e compreensão do que foi recebido (aprender a aprender), temos grande chance de chegar a uma sabedoria profunda. A chave é a palavra "experienciar". Primeiro eu escuto (colocar-se aberto para aprender), depois eu penso, analiso, tiro conclusões, e, então, eu trago estas conclusões para a minha vida, eu transformo esta nova compreensão em ações esclarecidas.

Caroline Rodrigues disse...

Jorge, me emocionei imensamente com seu lindo e profundo texto. Logo hoje, um dia em que ainda estou comemorando o dia dos professores. Que presente! Sabe, eu penso exatamente como você. Acho que me emocionei mais por ter visto alguém dizer o que eu queria dizer de maneira tão impulsionadora. Me sinto muito, muito feliz por saber que a cada dia tento ser uma professora melhor, pois só sei que nada sei. E pretendo ser uma eterna aprendiz. Quando olho pra trás e vejo o quanto já melhorei no meu aprendizado de ensinar a aprender. Eu já fui uma professora que só ensinava. Mas, aos poucos, me tornando alguém que ensina a aprender e aprende a aprender sempre, minha relação com meus alunos e com o próprio conhecimento mudou profundamente. Obrigada!
Namastê!